29 de dezembro de 2014

Não te deites antes do sol se pôr


Há muito, muito tempo, quando tudo ainda não era prédio, quando casa era refúgio de pedra e as terras não se chamavam pelo nome, havia uma menina de lindos cachos dourados. Chamavam-lhe de Lua. Mas não se escrevia assim, porque ainda nem se escrevia. Não se dizia assim, porque esta palavra não existia. Era Lua porque ficava por horas a observar o céu estrelado e a sua lua. Toda a gente da pequena povoação a conhecia assim. Todos se exprimiam diferente acerca do nome da pequenina, mas o significado era o mesmo. 
Durante o dia, Lua corria pelas colinas e colhia flores para oferecer à sua mãe. Brincava com os pequenos bichinhos da floresta e colhia frutos silvestres que guardava na sua sacolinha de palha adereçada junto ao seu peito. Os que mais gostava eram as framboesas e amoras. Conseguia passar horas e horas a comer. Comia tanto, que só terminava quando já toda suja, lhe começava a doer a barriguita. Depois, lá ía até ao riacho lavar-se e caminhava cantando até sua casa. 
Mas o que mais adorava era a noite. Adorava aquele céu estrelado. E aquela lua brilhante? Os outros meninos tinham medo da noite. Medo do escuro. Deitavam-se todos antes mesmo do sol se pôr. Havia mesmo alguns crescidos que faziam o mesmo. Sentiam-se expostos. Diziam que não conseguindo ver com clareza tudo à sua volta, não conseguiam caminhar. Que sem luz não avistavam o longe. Não reconheciam o desconhecido. “Pois está bem”. Pensava sempre Lua! Não podia discordar mais. De que serve ver tudo, se nada brilha? De que serve tanta luz, se assim nenhuma se destaca? Sim, de que serve? De que serve ver tudo a quilómetros de distância, e não se ser surpreendido? No escuro da noite, todas as estrelas eram belas. Até as mais pequenitas. Até as estrelas mais distantes cintilavam, como se chamando a sua atenção. Como a menina Lua adorava que chegasse a noite. E o escuro. Ela gostava da surpresa do mais além. Até o ar era diferente. Mais fresco, mais puro. “Noite, noite, que dás valor ao dia. E tu, lua magnífica, que só te impões por esta escuridão que vem refrescar a vida. E venham estrelas, estrelinhas. Venham piscar, no caminho da caminha. Venham que todas brilham, por mais longínquas que estejam. Vem noite. Vem noite estrelada. Vem, que sem noite, ninguém dá valor ao dia!”. Palavras da pequenina. Pensamentos da Lua menina. Frases da pequena Lua que levava seu lema de vida aos altos da sua grande amiga lua.


Então, não vamos esquecer: podemos ter luz, podemos ter calor, podemos ter amor, podemos ter companhia, podemos mesmo ter muita coisa. Podemos ter o que temos. Há quem chegue a ter quase tudo. Mas não teríamos luz sem conhecer a escuridão. Não daríamos valor ao calor, se não houvesse o frio. Não haveria a saudade, se não tivesse existido já a presença. Como sabes que queres a presença, se não houver a ausência? Diz-me como te secarias se nunca te tivesses molhado? Valorizarias o sol sem a existência da lua? E as estrelas? Irias conseguir vê-las se não estivesse escuro? Por isso, vamos aceitar o que a vida nos traz e perceber que por vezes para encontramos um caminho brilhante, necessitamos de percorrer um labirinto escuro. Ao invés de te queixares, aproveita a noite para veres as estrelas. O escuro serve para veres a luz. A sede serve para valorizares a água. Dá mais valor ao que tens. Dá valor a vida. Aproveita o momento. 

Por isso, não te deites antes do sol se pôr, por favor!

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